domingo, abril 29

sábado, abril 28

Teoria da Conspiração

Tenho-me mantido em meditação intermitente sobre algumas das reflexões a propósito do 25 de Abril, numa tentativa de compreender melhor os factos com ele relacionados - em 1974 e desde então.
Na verdade, este ano senti necessidade de rever os meus pensamentos sobre esta matéria, ainda que não saiba dizer porquê.

Uma das posições expressas dá conta de uma vasta conspiração que se pode resumir, penso eu, na famosa afirmação retirada de Il Gattopardo, salvo erro escrito por Tomaso di Lampedusa: É preciso mudar algo para que tudo fique na mesma. Em resumo, a burguesia encarregou uns quantos militares de fazer umas mudanças bem visíveis para perpetuar a sua presença no poder, já que a natural evolução dos tempos contrariava o status quo da altura.

Mantenho a dificuldade em aceitar esta teoria. Parece-me exigir demasiada inteligência, demasiada capacidade de prever o futuro, demasiada lucidez, em suma. Demasiado, tudo isto, para as mentes que por aí se manifestam.
A nossa burguesia nunca me pareceu assim tão previdente: mostra, a maior parte do tempo, vistas curtas, com raras e notáveis excepções em que foi capaz de ver para além do imediato. Considero-me pouco esclarecida em filosofia económica, mas tenho uma percepção bastante clara de que os nossos capitalistas partilham algo daquele espírito de contas-de-mercearia que já Salazar evidenciava. Pouco sentido do valor da qualidade, pouca vontade de investir nos verdadeiros criadores que poderiam fazer a diferença para a produção nacional. Temos alguns produtos excelentes, mas a maioria prefere apostar no binómio baixa qualidade/baixa remuneração como fonte de lucro. O lucro a mim parece-me completamente legítimo, desde que não arraste consigo o desrespeito pela dignidade humana e as condições de vida do trabalhador. Mas até Henri Ford já tinha percebido algo que por cá parece opaco: o trabalhador bem pago produz mais e melhor, e COMPRA MAIS, dinamizando a economia e gerando mais-valias.

Percebo que esta pode, eventualmente, ser uma visão parcial e até redutora da complexa realidade económica. Mas os factos não parecem desmentir-me assim tão liminarmente. Inclino-me, portanto, a pensar que os chico-espertos foram apanhando o comboio à medida que os vários apeadeiros o permitiram. Uns, subindo para a carruagem da carreira nos partidos políticos, outros saltando para as oportunidades de enriquecer de diversas formas, nem sempre inteligentes ou honestas. Uns e outros aproveitando-se frequentemente de alianças obscenas para obter dividendos ilegítimos e ilegais.

A hipótese de um plano bem gizado não me parece compatível com o reduzido espírito sistémico dos nossos investidores em geral. Quem nós vemos no poder vem, na maioria, da pequena-burguesia, e mantém os traços de origem bem visíveis. Não tinha poder para uma intervenção planeada a este nível. Também não tem uma estratégia global, como exigiria um projecto destes, mas apenas o objectivo imediato de conseguir estatuto e dinheiro superiores àqueles que os pais detinham. O que não é ilegítimo, mas é pouco como motor de avanço social e económico.

E são estas as razões que me levam a discordar de um plano global de "mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma" como força geradora do Movimento de Capitães no 25 de Abril de 1974. Prezo a liberdade que nos trouxe (ainda me lembro como era ANTES), e continuo a sentir que perdemos a Terra da Fraternidade.


A Gato Maltês, Pedro Silva e Raimundo Lúlio, quero agradecer os interessantes e divergentes pontos de vista em que me apoiei para reflectir sobre esta questão: obrigada.

Para os olhos e para o espírito

http://www.loc.gov/exhibits/cwaj/cwaj-exhibit1.html

Estas estampas japonesas contemporâneas são de uma beleza imensa, para além da qualidade técnica. Recomendo incondicionalmente.

Como lamento não saber criar um link activo para facilitar o acesso aos leitores do blog!...

quarta-feira, abril 25

O outro lado da PEDRA FILOSOFAL



Procurei a Pedra Filosofal. Mas só encontrei Manuel Freire a cantar José Saramago.
Uma voz de que gosto, um escritor que não aprecio, uma pedra filosofal perdida...

Mas é precisamente da pedra filosofal que continuamos a precisar!
Hoje tanto quanto sempre.

A propósito de 1974




Juan Manuel Serrat
Cancion de Cuña

segunda-feira, abril 23

Trova do Vento que Passa



Adriano Correia de Oliveira canta.
Poema de Manuel Alegre

Terra da Fraternidade



Carros munidos de altifalantes têm sido vistos pelas ruas: debitam cantigas de Zeca Afonso.

Enchem-se as caixas de correio de folhetos detalhando as comemorações locais-oficiais.
Folhetos muito bonitos, elaborados pelos departamentos competentes das câmaras. Ele é espectáculo "multidisciplinar", ele é fogo de artifício, hastear da bandeira, deposição de flores junto ao monumento à resistência, e a inevitável sessão solene... e o lançamento de um livro de fotografias sobre o ecossistema local.

E é isto que nos resta?

Ouvimos José Afonso uma vez no ano e comemoramos uma data que tem sido esvaziada de sentido ano após ano?

Não me espanto da vacuidade das comemorações. Também eu não sei como comemorar o 25 de Abril. Ninguém sabe como COMEMORAR o que devia estar VIVO em vez de estar apenas disponível para ser COMEMORADO.

Ninguém sabe - eu, pelo menos, NÃO SEI - como e para onde fugiu aquela fé imensa que nos reuniu no Primeiro de Maio de 1974.

Foi a ignorância que nos perdeu? A ingenuidade? A ganância?

Que resta dessa admirável postura comprometida com o futuro?

Trapalhices múltiplas, um lodaçal, uma tristeza, um apagamento vil, embrulhados em retórica e promessas de sucesso instantâneo à sombra do grande timoneiro. Embrulhados nos media que temos, que as notícias cada vez deixam mais tinta agarrada aos dedos e aos olhos.

Perdemos a TERRA DA FRATERNIDADE.

O Verdadeiro Método de Estudar

Atravessamos tempos estranhos?
(Talvez todos os tempos sejam estranhos!)

Mas por vezes sinto-me mergulhada nos mesmos problemas que Luís António Verney descrevia no VERDADEIRO MÉTODO DE ESTUDAR. Por exemplo, uma vez por ano, abria-se um carneiro no pátio da faculdade, os alunos de anatomia deitavam uma olhadela lá para dentro e depois, fortalecidos com aquele apressado vislumbre das vísceras do animal, iam estudar os catrapácios da tradição escolástica para fazerem os seus exames sobre anatomia... HUMANA. Para quê preocuparem-se com uma observação detalhada e orientada da realidade? Pois se tinham as melhores teorias dos melhores teóricos para resolver o problema!

E por que me lembrei disto?

Porque, há pouco tempo, foi debatido numa reunião de Conselho de Turma de 10º ano o seguinte facto: o professor de matemática tinha adoptado um novo critério para formar os grupos de trabalho na sala de aula; esses grupos, em princípio mas não de forma rígida, obedeciam ao conceito de homogeneidade de nível de conhecimentos. Ou seja: os alunos agrupavam-se sensivelmente de acordo com os respectivos níveis de classificação. O professor explicou que o critério tinha sido definido em reunião do Grupo de Docentes de Matemática, com o objectivo de tornar a avaliação dos trabalhos mais fiável e a aprendizagem mais efectiva, visto que, estando todos ao mesmo nível,
todos teriam que trabalhar para resolver as questões. Acrescentou ainda que tinha produzido frutos, visto que alguns alunos do nível baixo e médio tinham melhorado as suas prestações de forma visível. Recordou ainda o problema, já anteriormente referido, de que alguns alunos com potencial preguiçavam à sombra dos trabalhos de grupo, onde a presença de bons alunos era a garantia de uma boa nota para todos.


Um dos presentes indignou-se com este critério a ponto de afirmar que, se fora encarregado de educação LEVARIA ATÉ AO MINISTÉRIO a sua queixa. Invocou as "mais modernas teorias da educação" como garantia de que "os mais fracos aprendem com os melhores: é para isso que se fazem trabalhos de grupo".

Alguém, entretanto, lembrou que as teorias não são tudo, e temos que reflectir sobre a nossa prática e os seus resultados, tirando daí as conclusões adequadas.

Chamada à liça como possível aliada na censura ao colega de matemática, a responsável pelos Apoios Educativos foi peremptória: "A verdadeira inclusão começa pela formação de grupos homogéneos. Se o aluno sentir que outros são melhores do que ele, tem medo de participar, sente-se inseguro, e sai dali ainda mais convencido de que não é capaz. Se todos estiverem ao mesmo nível de conhecimentos, ganham confiança e sentem que podem fazer alguma coisa; e aí, realmente, PROGRIDEM!".

Seguiu-se um silêncio interessante.

Não somos burocratas, somos professores. As teorias são importantes, mas não podem esconder aquilo que a prática revela: uma e outra têm que servir para se esclarecer e aperfeiçoar mutuamente. De que serve a nossa experiência se depois a trocamos por um prato de lentilhas pronto a usar? De que serve a teoria se a usamos para SUBSTITUIR os nossos passos em vez de a usar para os GUIAR?

Parafraseando Kant, a teoria só por si é estéril, a prática sozinha é cega!

domingo, abril 22

Blues



Johnny Lee Hooker

sábado, abril 21

Tears of the Dragon .2




Hesitei sobre a escolha do video... Mas está na hora de mostrar ESTE!...

Bruce Dickinson: Tears of The Dragon

Judas Priest



Resolvi não pôr JUDAS RISING - fazia-me lembrar o sr. Sousa!

Mas este METAL GODS, não sei porquê, faz-me evocar o ANEL DOS NIEBELUNGOS...
Talvez fique bem aqui, ao lado da harmonia de Bach. Outros tempos, outros cuidados!
A eterna contradição humana. E quero que o Pedro continue a partilhar os seus gostos connosco!

Concerto Brandeburguês nº 5



J.S. Bach, Glenn Gould

Piano Concerto nº 7 em G minor



Porque preciso de alguma harmonia, depois de ouvir Judas Priest...
O Pedro que me perdoe!...

J. S. Bach, Glenn Gould

sexta-feira, abril 20

Pensamentos soltos

Um dos livros que impressionou a minha adolescência, foi UM SOCIALISTA INSOCIÁVEL, de Bernard Shaw. Se bem me recordo, retrata um socialista (no sentido que a palavra tem para os anglo-saxões) iconoclasta, em tudo avesso às convenções e profundamente misantropo. Uma lufada de ar fresco para quem crescia num mundo convencional e altamente normativo, e um interessante paradoxo. Talvez devesse relê-lo!

Mas hoje recordei-o a propósito de uma dúvida que muitas vezes me assalta.

É que tenho encontrado, em diferentes momentos da minha vida, pessoas que, professando um profundo amor à Humanidade em geral, são incapazes de ser atenciosos com os mais chegados. A sua consciência social parece exercer-se apenas no abstracto, e votam conscienciosamente no partido que consideram defender melhor os interesses dos menos favorecidos. Mas têm pouca paciência para as conversas minimalistas da empregada de limpeza, culpam o povo porque só discute "futebol" "telenovelas" e "gajas", e não fazem esforço nenhum para reparar que a porteira precisa de uma palavra amável porque está obviamente num dia mau.

A minha pergunta é: PORQUÊ?
Sou só eu que vejo aqui uma desagradável contradição?

Para o Pedro Silva




Uma full metal soul erudita! Proposta pesada embora interessante?

Le Sacre du Printemps, Igor Stravinsky
Coreografia: Pina Bausch

quinta-feira, abril 19

Another lonely day

Não resisto...
tenho que partilhar aqui uma das minhas preferidas de Ben Harper!
é daquelas (poucas) músicas que me deixa os olhos húmidos... talvez por um sem número de recordações que abarca.

Acho incrível como uma música acaba sempre por ficar associada a momentos e/ou a pessoas, nunca pulsa simplesmente por si própria, absorve outras emoções do mesmo espaço/tempo e intensifica-as...



Ben Harper, Another lonely day

Magic and loss

When you pass through the fire
you pass through humble
You pass through a maze of self doubt
When you pass through humble
the lights can blind you
Some people never figure that out
You pass through arrogance you pass through hurt
You pass through an ever present past
and it's best not to wait for luck to save you
Pass through the fire to the light

(...)

And just this moment
This wonderful fire started up again

When you pass through humble
when you pass through sickly
When you pass through
I'm better than you all
When you pass through
anger and self deprecation
and have the strength to acknowledge it all
When the past makes you laugh
and you can savor the magic
that let you survive your own war
You find that that fire is passion
and there's a door up ahead not a wall

As you pass through fire as you pass through fire
try to remember its name
When you pass through fire licking at your lips
you cannot remain the same
And if the building's burning
move towards that door
but don't put the flames out
There's a bit of magic in everything
and then some loss to even things out

Lou Reed, The Summation, 1992


Bianca, dá um olhito, descobri agora como quem não quer a coisa
http://www.loureed.org/00/index.html

Valores

(...) «Quando vês alguém que tem valor, deves investir nessa pessoa sem pensar duas vezes e dar-lhe uma oportunidade», disse-me ele um dia. «As coisas que podes comprar com dinheiro, o melhor é fazê-lo sem te pores a pensar demasiado no que ganhas e no que perdes. Trata mas é de guardar a tua energia para aquelas coisas que o dinheiro não pode comprar.»
(...)

in Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami

para os mais curiosos: http://www.randomhouse.com/features/murakami/site.php

Pensamentos soltos

Este imenso bando de abutres que vemos por aí a pairar, não estará à espera de se banquetear com o cadáver da DEMOCRACIA ?

Para o Gato Maltês




Wagner, Gotterdammerung, em Bayreuth
(O Crepúsculo dos Deuses)

THE CREATIVE IMPULSE



Não consegui aceder à versão inglesa, e a tradução não será perfeita, mas é o mais curioso dos contos escritos por Somerset Maugham, um dos meus autores favoritos.

AQUI

Recomendo vivamente!

quarta-feira, abril 18

Para ampliar horizontes



Rammstein live Stockolm 2004

Apocalíptico Q.B., não?... Mas muito interessante, sem dúvida.
Prefiro Ben Harper, mesmo assim! A sua melancólica lucidez é mais compatível com o meu temperamento. Ao contrário da Terra em Socalcos, não estive no concerto ao vivo. Azar meu!

À Mac, obrigada por esta referência!

Para a Mac



Rammstein, SONNE

segunda-feira, abril 16

I believe in a better way!!



Ben Harper ao vivo, no Pavilhão Atlântico, a 04/10/2006...
meus amigos, EU ESTAVA LÁ!!! é pena faltar o grand finale, como alguém lhe chamou, em que o público delirou quase tanto como o Ben Harper, na sua guitarra... indescritível!

foi inesquecível, um carrossel de emoções. este homem expressa-se de uma maneira... como se fosse uma parte de mim a ser traduzida em sons.

Better Way
Written by: Ben Harper

i'm a living sunset
lightning in my bones
push me to the edge
but my will is stone

fools will be fools
and wise will be wise
but i will look this world
straight in the eyes

what good is a man
who won't take a stand
what good is a cynic
with no better plan

(hope these words feel pleasant
as they rest upon your ears)

reality is sharp
it cuts at me like a knife
everyone i know
is in the fight of their life

take your face out of your hands
and clear your eyes
you have a right to your dreams
and don't be denied

i believe in a better way

How much difference does it make?

INDIFFERENCE - Ben Harper e Eddie Vedder juntos... puf! MAGNÍFICO!!

...e a letra? faz vibrar.

Ainda o engenheirogate

Sobre esta questão, vale a pena ler neste blog:


http://braganza-mothers.blogspot.com/2007/04/
ontem-foi-divulgado-este-documento.html


É muitíssimo interessante. Tal como diz a autora, as mulheres reparam nos PORMENORES... é uma chatice!...

Post Scriptum: lamento, mas não sei colocar um link digamos... "activo"! Juro que tentei imensas vezes!...

domingo, abril 15

CASTA DIVA




NORMA, de Bellini;
Maria Callas

CAOS

Como a rosa que respira as dores humanas
coloco-me sobre a instabilidade dos afectos repartidos.


A Guerra
que terrível chega para
fraccionar a Terra e a soberba majestade das águas.
Dividir as bocas. Esmagar os dedos. Matar os gestos que respiram.

Poisamos na acre cerimónia das cinzas.
Cremamos emoções no cenotáfio que ninguém reclama.
Na vala comum depositamos sonhos de glória, mandrágora efémera
que Circe não empunhará.

Lúbrica e perdulária é a demanda
que se alimenta de hidrocarbonetos e infâncias quebradas pelo meio.
São dos outros os filhos a quem nunca sorrisos e chocolates
tentaram os dentes ralos.

E a memória que nos atravessa?
Átomos que estiveram noutras paragens.
Casulo, borboleta, larva. Que ordem? Que verdade?

Fractais.
Fórmulas, princípios, teorias.
Factos e valores.
Fome. Ossos. Disenteria.

Macrocaos. Microcaos.
Crisálida.

m.s., 2000

Heart of gold



Neil Young, 1971

Para algo completamente diferente...



Xutos e Pontapés
CHUVA DISSOLVENTE

Cresço. Espero. Sou.

"Trago no meu olhar
a força de um peso luminoso.

Sei que a fonte
me bebe e nela cresço.
Rodeio-te num caminho aberto
e puro
feito de cascatas e sol.

Cresço.
Espero.
Sou.

Queres ser comigo?

São os dedos
um pássaro ao vento:

rodeia-me assim
na transparência
de uma asa batida
e de um olhar dado
sem promessas."

1982, m.s.



Tenho este poema (que não é da minha autoria... infelizmente) afixado no meu placard, cada vez que o leio surge-me uma imagem diferente... queria, simplesmente, partilhá-lo.
Para mim, representa um socalco inundado pelo sol... e a autora usa imagens que me tocam especialmente ;)

sábado, abril 14

O Sol continua a brilhar

À medida que a vida avança, vamos sofrendo Perdas. Algumas, particularmente dolorosas.

A cada uma delas aumenta o grau de probabilidade de ser absoluta a próxima Perda, isto é: de perdermos todos os outros, ou antes de serem eles a perder-nos.

Talvez seja essa consciência que torna cada vez mais difícil ver partir os que amamos, os que estimamos, ou os que simplesmente repartem connosco o espaço e o tempo na cidade.

O Sol continua a brilhar, é certo. Mas cá em baixo ficam sombras novas.

No entanto, é preciso não esquecer: o Sol continua a brilhar!

quinta-feira, abril 12

Postar

Há uma espécie de timidez quando abrimos a janela do posting. Imagino que os actores e músicos sintam algo de parecido quando esperam pelo abrir da cortina - salvas as devidas proporções!

Comecei este blog quase sem querer. Depois, senti um especial prazer em acumular referências a algumas das coisas que me dão prazer, que acho belas e inspiradoras, e partilhá-las com os (improváveis) leitores. O passo seguinte foi sentir um certo pudor por essa acumulação de sinais tão pessoais. Depois, dei comigo a pensar que devia falar de outras coisas. E aí comecei a sentir-me tímida e hesitante.

Falar de quê? De quem? Não gosto de futebol. Não quero saber dos diplomas do Sousa. Não é isso que me incomoda, mas sim o facto de todos os dias constatar os sinais de perda da qualidade de vida. Mas há outra coisa, que tive de procurar bem fundo, porque a tinha escondido bem longe dos meus olhos, porque não a suportava, porque realmente me tem exigido um enorme esforço para não baixar os braços. E essa coisa é aquela que pior deixa na fotografia o nosso PM, aquela que é de facto IMPERDOÁVEL e que todos os dias avança um pouco mais, todos os dias destrói um pouco mais do nosso futuro enquanto País e enquanto Povo: a destruição pormenorizada e organizada do Sistema de Educação Pública.

Cinque... dieci... venti... trenta...



LE NOZZE DI FIGARO, David Bizic

quarta-feira, abril 11

As Bodas de Fígaro

As óperas de Mozart contam entre as minhas favoritas. A Flauta Mágica e as Bodas de Fígaro são aquelas que oiço há mais tempo com paixão. Juntei-lhes, mais tarde, Cosi Fan Tutte e D. Giovanni.

As Bodas de Fígaro são uma festa para os sentidos e para a Razão. A condição humana é aí retratada com humor e sensibilidade, nos encontros e desencontros, na perfídia e na lealdade, no despeito e na gratidão, no amor e no ciúme. E fica um sentimento optimista sobre a verdadeira natureza do ser humano, apesar de todos os enganos e do carácter precário da felicidade.

A conjugação perfeita: ouvir também O BARBEIRO DE SEVILHA, de Rossini.

Non piú andrai



LE NOZZE DI FIGARO, Leonardo Nibbi

Si vuol ballare signor contino



LE NOZZE DI FIGARO - David Bizic

ABERTURA



LE NOZZE DI FIGARO

Voi che sapete



LE NOZZE DI FIGARO- Cecilia Bartoli
(em concerto)

O Dilema do Cavaleiro

Era uma vez, há muito tempo, numa terra longínqua, um cavaleiro que se considerava muito virtuoso, amável e dedicado. Fazia todas as coisas que os cavaleiros virtuosos, amáveis e dedicados fazem. Os seus adversários de combate eram criaturas malvadas, vis e desprezíveis. Matava dragões e resgatava lindas donzelas em perigo. Quando as aventuras de cavalaria andavam mais paradas, tinha o péssimo hábito de salvar donzelas mesmo que elas não quisessem ser salvas. Assim, apesar de muitas donzelas lhe estarem agradecidas, outras tantas estavam furiosas com ele. Ele aceitava isto com filosofia. Afinal,não se pode agradar a todos.

Este cavaleiro era famoso pela sua armadura. Reflectia raios de luz tão intensos que, quando o cavaleiro partia para a batalha no seu cavalo, os aldeões juravam ter visto o raiar do sol a norte ou o ocaso a oriente. E ele partia para as batalhas frequentemente. À mínima menção de uma cruzada, o cavaleiro colocava ansiosamente a sua armadura reluzente, montava o seu cavalo, e cavalgava numa direcção qualquer. De facto ficava tão ansioso que, por vezes, cavalgava em várias direcções ao mesmo tempo, o que não era uma proeza fácil.

O CAVALEIRO DA ARMADURA ENFERRUJADA, Robert Fisher, (fragmento)
Editorial Presença - trad. de Ana Paula Tanque

terça-feira, abril 10

Verdes São os Campos

Cantiga a este mote alheio:

Verdes são os campos
de cor de limão:
assi são os olhos
do meu coração.

VOLTAS

Campo que te estendes
com verdura bela;
ovelhas, que nela
vosso pasto tendes;
d'ervas vos mantendes
que traz o Verão,
e eu das lembranças
do meu coração.

Gado, que pasceis,
co contentamento,
vosso mantimento
não no entendeis:
isso que comeis
não são ervas, não:
são graças dos olhos
do meu coração.

Luís Vaz de Camões
José Afonso

Cantiga partindo-se

Senhora, partem tã tristes
meus olhos por vos, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.

Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partyda,
tam canssados, tã chorosos,
da morte mais desejosos
çem myl vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes,
tam fora d'esperar bem, que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguem.

Joham Rroiz de Castel-Branco
Cancioneiro Geral de Garcia de Resende

domingo, abril 8

Poemacto -IV

As vacas dormem, as estrelas são truculentas,
a inteligência é cruel.
Eu abro para o lado dos campos.
Vejo como estou minado por esse
puro movimento de inteligência. Porque olho,
rodo nos gonzos como para a felicidade.
Mais levantadas são as arbitrárias ervas
do que as estrelas.
Tudo dorme nas vacas.
Oh violenta inteligência onde as coisas
levitam preciosamente.
O campo bate contra mim, no ar onde elas
dormem -
vacas truculentas, estrelas
apaziguadas estrelas - e a inteligência, afinal
selvajaria celeste sobre a minha respiração.

Eu penso mudar estes campos deitados, criar
um nome para as coisas.
Onde era estábulo, na doce morfologia,
fazer
com que as estrelas mugissem e as poeiras
ressuscitassem.
Dizer: rebentem os taludes, enlouqueçam as vacas,
que a minha inteligência se torne pacífica.
Unir a ferocidade da noite ao inebriado
movimento da terra.
Posso mudar a arquitectura de uma palavra.
Fazer explodir o descido coração das coisas.
Posso meter um nome na intimidade de uma coisa
e recomeçar o talento de existir.
Meto na palavra o coração carregado de uma coisa.
Eu posso modificar-me.
Ser mais alto do que a corrupção.

Herberto Helder, Poemacto, (fragmento) POESIA TODA, assírio & alvim

Labirinto

Sozinha caminhei no labirinto
Aproximei meu rosto do silêncio e da treva
Para buscar a luz dum dia limpo


Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética, II, Caminho

No principio era o verbo

since feeling is first
who pays any attention
to the syntax of things
will never wholly kiss you;

wholly to be a fool
while Spring is in the world
my blood approves,
and kisses are a better fate
than wisdom
lady i swear by all flowers. Don't cry
-the best gesture of my brain is less than
your eyelids' flutter which says

we are for each other: then
laugh, leaning back in my arms
for life's not a paragraph


And death i think is no parenthesis


e.e.cummings
selecção, tradução e notas de Jorge Fazenda Lourenço
xix poemas, assírio & alvim

Vida e morte?

já que sentir é primeiro
quem presta alguma atenção
à sintaxe das coisas
nunca há-de beijar-te por inteiro;

por inteiro ensandecer
enquanto a Primavera está no mundo
o meu sangue aprova,
e beijos são melhor fado
que sabedoria
senhora eu juro por toda a flor. Não chores
-o melhor movimento do meu cérebro vale menos que
o teu palpitar de pálpebras que diz

somos um para o outro: então
ri, reclinada nos meus braços
que a vida não é um parágrafo

E a morte julgo nenhum parêntesis


e.e. cummings traduzido por Jorge Fazenda Lourenço
xix poemas, assírio & alvim

sábado, abril 7

Bianca Castafiore

Se bem me lembro, é a única personagem feminina que aparece recorrentemente nas histórias de Tintim.

Suspeito que contribuiu fortemente para o meu interesse pela ópera, que se foi desenvolvendo à medida que o meu avô me incitava a descobrir mais e mais obras, e me oferecia gravações de grandes intérpretes, acompanhadas das suas críticas e sábios comentários.

Continuei a devorar os albuns do Tintim, que ainda hoje aprecio, apesar das críticas que lhe são feitas. E a dar um espaço cada vez maior à ópera. Ainda não consigo apreciar Wagner verdadeiramente. Mas espero chegar lá!...

Quanto ao Tintim, acho que aquele perfil de herói quase irreal, desprovido de problemas existenciais, tem as suas qualidades como padrão de conduta e incentivo ao exercício de algumas virtudes. Sei que nem todos pensam como eu, e posso compreender os pontos de vista diferentes. Mas continuo a achar Tintim um personagem inspirador.