terça-feira, fevereiro 12

Os Erros


No que se refere à conduta, já há muito tinha notado que por vezes é necessário seguir como certas opiniões que sabemos serem muito incertas. Mas agora que resolvi dedicar-me apenas à descoberta da verdade, pensei que era necessário proceder exactamente ao contrário, e rejeitar como falso tudo aquilo que pudesse suscitar a menor dúvida, para ver se depois disso algo restaria nas minhas opiniões que fosse absolutamente indubitável.

Assim, porque os nossos sentidos por vezes nos enganam, decidi supor que nos enganam sempre. E porque há pessoas que se enganam ao raciocinar, até nos aspectos mais simples da geometria, fazendo raciocínios incorrectos, rejeitei como falsas todas as razões que até então me tinham parecido aceitáveis, visto estar sujeito a enganar-me como qualquer outra pessoa. Por fim, considerando que os pensamentos que temos quando estamos acordados podem ocorrer também quando dormimos, não sendo neste caso verdadeiros, resolvi supor que tudo o que até então tinha acolhido no meu pensamento não era mais verdadeiro do que as ilusões dos meus sonhos. Mas, logo a seguir notei que enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim pensava, necessariamente era alguma coisa.

E tendo notado que esta verdade eu penso logo existo era tão firme e tão certa que todas as extravagantes suposições dos cépticos seriam impotentes para a abalar, julguei que a poderia aceitar sem escrúpulo como primeiro princípio da filosofia que procurava.
Discurso do Método

Todas as formas de pensar que observamos em nós podem ser referidas a duas gerais: uma consiste em apreender através do nosso entendimento, a outra a determinar-se pela vontade. Deste modo, sentir, imaginar e mesmo conceber coisas puramente inteligíveis, não são mais do que maneiras diferentes de apreender; mas desejar, ter aversão, afirmar, negar, duvidar, são diferentes formas de querer.

Quando apreendemos alguma coisa, não corremos o risco de nos enganarmos se não a julgarmos de um modo algum; e, ainda que a ajuizemos, não nos enganaremos se só dermos a nossa aprovação àquilo que sabemos clara e distintamente estar compreendido no que ajuizamos. Mas o que faz com que habitualmente nos enganemos é que estabelecemos juízos muitas vezes sem ter um conhecimento muito exacto daquilo que julgamos.
Princípios da Filosofia

Posto isto, qual a razão que leva os entendidos a falar apenas da crítica de Descartes aos ERROS DOS SENTIDOS? Não será bastante evidente que ele fala também dos erros de raciocínio?

2 comentários:

Anónimo disse...

Oh! Bianca, mas que maldade! Falar de Descartes nesta altura é o mesmo que questionar a bondade da suas teses. Tudo na actualidade serve para o por em causa. Não, não estou a referir-me ao "Erro de Descartes" de R. Damásio, mas sim às evidências da nossa vidinha caseira. Pensa só neste exemplo:
- A senhora Ministra da Educação existe? Não há dúvidas que sim. Infelizmente existe. Mas será que pensa? Como todos sabemos a resposta é negativa. Está a ver a coisa? Para existir (ou ser-se ministro) nem sempre é preciso pensar...

Mas falemos de coisas mais importantes. Gostei muito deste "post". Penso que se insere numa certa viragem que se está a fazer sentir a nível da blogosfera, que me parece muito salutar. Eu julgo que a blogosfera, considerando o seu carácter anónimo , não oferece condições ideais para o debate de questões relacionadas com a actualidade mediática, e muito menos para a crítica ou denúncia ,por blogs ou comentadores anónimos , de pessoas ou entidades publicamente identificadas, como ocorre tantas vezes. Tal atitude não é ética, e não favorece a liberdade de expressão, que se quer absoluta , mas responsável. É por isso, que a par do enorme contributo que a blogosfera tem dado à livre circulação de ideias, persiste como que um certo mal estar, um grande desconforto entre os seus adeptos. Muitos questionam-se se determinada crítica ou denúncia, por razoável que seja, não trará agua no bico. Ao serviço de quem será feita aquela denúncia? Que objectivos realmente persegue? A que "lóbi" pertence o crítico ou o denunciante? E é assim que , por vezes , a blogosfera se assemelha a um lago com as águas mais ou menos poluídas, onde coabitam alguns bem intencionados com perigosos tubarões que normalmente se fazem acompanhar por cardumes de "fanequinhas" que apenas se preocupam em dar ao rabo.

Por tudo isto, eu julgo que a abordagem de temas como o deste "post" ,assume uma grande importância e actualidade. Numa época como aquela em que vivemos, onde reina uma grande confusão ideológica, uma grande falta de ética ,e em que campeia o descrédito e até o desespero, parece-me importante que se "pare" para pensar, que se ponham de lado "as ideias feitas" e, para tal, é de grande utilidade a divulgação de ferramentas (património da humanidade) que nos ajudem a orientar o raciocínio, por forma a vermos claro,o mais claro possível, no fundo do túnel em que nos encontramos.

A questão colocada no final parece-me de difícil resposta. Será que o homem continua a confundir metafisicamente raciocínio com alma , logo de origem divina? E assim sendo, repugna-lhe a referência a "erros de raciocínio"?

Bem haja, Bianca

M. Carvalho

Anónimo disse...

A senhora ministra pensa. O grande problema é que pensa MUITO MAL, articula juizos de forma errada, efim...
Este é um optimo exemplo de que não são só os sentidos que nos enganam, mas que também podemos ser enganados pela razão, pois podemos fazer raciocinios errados, como os que a senhora ministra =)
Raiz