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Era um daqueles casais por volta dos oitenta anos, reformados.
Ele passava a maior parte do tempo no café, beberricando e petiscando com os amigos, enquanto ela ficava em casa. Depois chegava a casa de mau humor: a violência verbal e física aconteciam facilmente.
Naquele dia feriado, tinham lanche de aniversário em casa de um familiar e ela esmerou-se no vestir e no pentear.
Esperou em vão: ele chegou muito depois da hora combinada, e quando ela manifestou a sua irritação, puxou de uma cadeira e acertou-lhe com ela. Os vizinhos ouviram-na gritar "Ai que ele me matou!", e a seguir dois tiros.
Chamaram a polícia, a ambulância, e entretanto ouviram mais um tiro: o assassino tinha tentado suicidar-se. Os filhos, avisados, vieram a correr. Um trazia a caçadeira, e jurava que mataria o pai para vingar a mãe. Entretanto, o homem foi internado em coma; não é operável, pois a bala está alojada numa zona cerebral delicada.
Um diário de grande tiragem noticiou a coisa deste modo: o casal era muito unido e dedicado; andavam sempre de mão dada; o homem foi ao café claramente despedir-se dos amigos; voltou para casa e perpetrou o duplo crime porque os filhos não davam qualquer apoio ao casal, e ele não podia suportar o sofrimento da mulher, enfraquecida pela idade. Mais se dizia que o marido morrera no Hospital nesse mesmo dia.
Na sexta feira, numa loja a dois quarteirões dos acontecimentos, as pessoas contavam a versão do dito jornal como se fora a verdade absoluta.
Hoje de manhã, o homem continuava em coma no Hospital.