sábado, maio 3

Amor Fraternal - 2


A silhueta grande e pesada não a impediu de atravessar a porta escura, avançar silenciosa pelo pequeno átrio e entrar no quarto onde se ouvia um denso ressonar.

Ele acordou quando sentiu a pressão e o toque frio no pescoço. Abriu os olhos para perceber que ela o segurava pelo pescoço sem qualquer amabilidade, evidenciada pelo facalhão de matar o porco que também lhe encostava à pele.

- Estou a avisar-te: não tocas mais na minha irmã, nem que seja com um dedo! Só não te despacho já aqui por causa dos meus sobrinhos, os teus filhos.
Mas se voltas a tocar nela, juro que venho aqui e que hás-de sangrar que nem um porco na tua própria cama, até à morte! Ficas avisado!

Consta que a irmã viveu em paz daí em diante.

5 comentários:

Metódica disse...

Pois... depois de uma ameaça dessas...
É incrivel como o homem só parou quando ameaçado...
À pessoas assim, precisam de uma "ajudinha", não conseguem ver que estão a fazer mal.
Umas até vêm mas continuam, não têm força de vontade para parar ou apenas não querem e aí é pura maldade, é atroz.

Unknown disse...

Ás vezes é preciso empunhar a faca ou senti-la no nosso pescoço, para acordarmos ou sermos acordados por alguém.
E como não acredito em Santos, acho que todos já passamos pelas duas situações.
O importante é tentar evitar acordar com uma faca apontada ao pescoço (e até, porque não, ter de a empunhar...) e nunca, mas nunca,
mudar de opinião consoante a situação em que se esteja!

Eurydice disse...

Julgo perceber o que quer dizer, Português. São os princípios que devem estar na origem dos nossos actos, e não as circunstâncias... As circunstâncias são voláteis. E, no entanto, remetem para os princípios éticos. Necessariamente?

Unknown disse...

Em parte é isso, Eurydice, mas também é o que Miguel Torga escreveu num outro Livro de Horas:

Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
possesso
de virtudes teologais,
que são três,

e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas,
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
andanças
do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim!

Eurydice disse...

Depois de Torga entrar em cena, não haverá muito mais a dizer! :)