quarta-feira, outubro 17

Uma Verdade Inconveniente 3

"Incertinho como a chuva

Rui Tavares - 20071016

Com a regularidade de qualquer fenómeno natural, a temporada dos prémios Nobel traz-nos sempre o mesmo espectáculo. O clímax dá-se com o Nobel da Literatura e o da Paz e a coreografia é sempre a mesma. Uns dias antes a maioria da opinião conservadora, nos jornais ou na blogosfera, vai ficando inquieta com a possibilidade de ambos os prémios irem parar a alguém "politicamente correcto". Caso o receio se confirme, declaram que o prémio não tem credibilidade nem importância, para no ano seguinte voltarem a passar pelo mesmo ciclo, dando importância a um prémio ao qual garantem não reconhecer credibilidade.


A ironia do Nobel da Paz deste ano é que, se as pessoas a quem ele foi entregue tiverem razão, a comparação que eu usei na primeira frase não está para durar. Daqui a umas décadas, a acreditar em Al Gore e no Comité Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC na sigla inglesa), será difícil entender o que significa "certinho como a chuva", essa figura de estilo tão portuguesinha. À medida que o clima se for tornando imprevisível, a única coisa previsível passará a ser apenas o modo como os prémios Nobel são recebidos. Em particular, podemos não saber se as folhas vão continuar a cair no Outono, mas dá para avançar com elevado grau de probabilidade quem vai dizer o quê quando o Comité de Oslo fizer os seus anúncios.

Deixem-me pôr as cartas na mesa: não sei nada sobre alterações climáticas. Isto não é invulgar: há quem diga que ninguém sabe nada e que Al Gore se limita a inventar. Eu nem isso sei. E também posso dizer, embora isto não tenha qualquer valor, que a minha tendência inicial era para desvalorizar o problema.
As minhas conclusões tenho de tirá-las a partir do debate público. E aí sou forçado a dizer que a posição dos cépticos é cada vez mais frágil e contraditória. Muitos deles começaram por dizer: "Não há alterações climáticas." Depois, passaram para: "Há alterações, mas não são provocadas pelo Homem." Bjørn Lomborg, grande rival público de Al Gore, admite agora que as alterações climáticas são reais e provocadas pelos humanos mas que não vale a pena perder com elas dinheiro que seria mais bem gasto no combate à malária (alguém sugere que se vá roubar dinheiro à luta contra a malária ou será que não há dinheiro disponível, por exemplo, nos gastos militares?).
Também há quem diga que enquanto não houver certezas não vale a pena combater as alterações climáticas, como quem se recusasse a comprar um seguro contra incêndios enquanto não tiver garantias de que a casa vai pegar fogo. Há outros argumentos: que Al Gore é chato, que é pedante, que até lê livros e escreve livros. Ouvimos tudo isso em 2000, quando os seus adversários tentavam pressioná-lo a que reconhecesse a sua "derrota" nas presidenciais; hoje é tão absurdo que já não faz qualquer efeito. Em desespero de causa chegam a citar a sentença de um juiz britânico que identifica "nove erros" no documentário de Gore omitindo a parte onde diz que o filme está "substancialmente correcto".
Apesar disso tudo, eu gostaria que tivessem razão. Seria preferível que noventa por cento dos cientistas não estivesse do lado de Gore. Seria melhor para o planeta. Seria melhor para nós. Simplesmente, não vejo os adversários de Al Gore ganhar este debate. Vejo-os enterrarem-se cada vez mais. "

© 2006 PÚBLICO Comunicação Social SA


Obrigada, Manel ;)

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