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terça-feira, setembro 18

O Amor Cortês



A cortesia entrou em Portugal pela Galiza. Não é estranho a esse fenómeno social, sem excluir a petição de princípio do amor como invenção do século XII, o facto de as lendas carolíngias teem aceitação nas veigas galegas, como a não tiveram nas dehesas castelhanas.
Foi um francês, André de Chapelain, com o seu Tratado do Amor, quem deu à mulher uma prerrogativa até aí negada pela sociedade mais ou menos bárbara, secular ou religiosa. É certo que S. Paulo tinha dado à mulher um lugar paralelo ao homem na comunidade cristã; mas tratava-se de um laço de fraternidade que foi mais tarde estendido pelo franciscanismo a todo o ser vivo e padecente. A mulher como "origem e causa de todo o bem", só a cortesia a descobriu.
O que é a cortesia? Em primeiro lugar, ela significa o acto de colmatar o espaço vazio entre duas culturas. Na sociedade feudal, muito hierarquizada, o passo essencial da cortesia consistia em preencher a distância entre a elite e a gente comum. Isto só era possível com a função verdadeiramente liberal da generosidade. Generosidade moral e também material; todo o traço de avareza devia ser excluído da cortesia.
André de Chapelain descreve cinco regras do amor cortês como um prémio concedido ao cavaleiro bretão na corte do rei Artur. A primeira regra é a mais espirituosa: "o casamento não é uma desculpa válida para não amar". E acrescenta variadas reflexões sobre o amor, preceitos que se tornaram clássicos no terreno florido ou espinhoso dos amantes: o segredo é indispensável ao amor; o amor demasiado fácil é desprezível; e outras teorias que se qualificaram como verdadeiros aforismos, que sofreram derrotas, que se resgataram por meio da ciência da psicanálise e que o homem subverteu e recuperou através das suas próprias experiências e vicissitudes.


Agustina Bessa Luís, Adivinhas de Pedro e Inês, 1983 (cap. V, OS CASTROS)

Aqui deixo esta pequena passagem de um dos meus livros favoritos, onde mais uma vez Agustina harmoniza admiravelmente a erudição e a reflexão crítica sobre momentos da nossa História.

sábado, setembro 8

Florbela 2



1.
Ser poeta


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!


É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
é condensar o mundo num só grito!


E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!



2.
Amar!


Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui...além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!


Recordar?Esquecer?Indiferente!...
Prender ou desprender?É mal?É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!


Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!


E se um dia hei-de ser pó,cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


Estes serão, talvez, dois dos mais conhecidos poemas de Florbela Espanca.
A sua poesia é intensa, emotiva e tremendamente apaixonada. As minhas preferências vão para expressões mais depuradas dos sentimentos, e a única explicação que encontro para isso é que o carácter excessivo da sua escrita me assusta. Sinto que as palavras têm uma força imensa, e é necessário domá-las, para que os sentimentos não fiquem à mercê desse poderoso instrumento. Como se houvesse o perigo das palavras tornarem a realidade incomportável para um mortal. Como se tivessem o poder de a ampliar até ao infinito.

Florbela



Florbela de Alma da Conceição Espanca
Vila Viçosa,1894 - Matosinhos,1930.
Obras mais importantes: Livro de Mágoas, 1919; O Livro de Soror Saudade, 1923; Charneca em Flor, 1930

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noitinha de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus braços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E lá como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
(Charneca em Flor)


Meu Amor! Meu Amante! Meu Amigo!
Colhe a hora que passa, hora divina,
Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!
Sinto-me alegre e forte! Sou menina!

Eu tenho, Amor, a cinta esbelta e fina...
Pele doirada de alabastro antigo...
Frágeis mãos de madona florentina...
- Vamos correr e rir por entre o trigo!

Há rendas de gramíneas pelos montes...
Papoilas rubras nos trigais maduros...
Água azulada a cintilar nas fontes...

E à volta, Amor... tornemos, nas alfombras
Dos caminhos selvagens e escuros,
Num astro só as nossas duas sombras.
(Livro de Soror Saudade)

Timbuktu


Este é, para mim, o mais belo dos livros (1999) de Paul Auster, juntamente com Mr Vertigo (1994).

Timbuktu é uma espécie de paraíso dos cães, onde eles ficam depois da morte. O livro é construído em torno de um cão dedicado e do seu dono, e é de uma enorme beleza e sensibilidade. É também implacável, e deixa-nos um pouco tristes, mas tem ainda a grande qualidade de colocar questões importantes e de as abordar de um ponto de vista estimulante para a reflexão.

Mr. Vertigo é sobre um homem que decide aprender a voar. Como metáfora ou parábola, é muitíssimo eficaz. Também aqui encontramos uma imensa beleza, não só na escrita como ainda nas pessoas nele retratadas. Imprescindível ler!
Paul Auster nasceu a 3 de Fevereiro de 1947 em Newark, New Jersey.

quinta-feira, agosto 23

Nome de Toureiro


Outro Sepúlveda, outro mundo. Agora falamos de amor, de princípios ético-políticos, de morte e de fidelidade. Um personagem denso e coerente atravessa estas páginas com a sua dor e a sua vontade, e obriga-nos a olhar a vida nos olhos.

O Velho Que Lia Romances de Amor


O primeiro que li de Luis Sepúlveda.
Uma descrição extraordinária da selva e da vida na selva. Um grande sentido do oikos e do laço imenso que une todas as formas de vida sobre o nosso planeta. Verdadeiramente humano e verdadeiramente telúrico.

domingo, julho 29

Gilbert Keith Chesterton

Com a mulher, Frances.



The Man Who Was Thursday, 1908: O Homem que Era Quinta-feira.
Um livro onde nada é o que parece, e nada parece o que é. Metafísica carregada de um humor original, Deus e o Diabo trabalhando cada um para seu lado como manda a tradição, numa canseira infindável.
Criada num catolicismo rígido e severo, onde não havia espaço para interrogações e as dúvidas eram resolvidas pela cartilha, foi uma lufada de ar fresco na minha adolescência.

Se nos lembrarmos que Chesterton era conservador, se converteu ao catolicismo por achá-lo mais compatível com os seus próprios valores universalistas e escreveu obras tão diferentes como Divórcio versus Democracia; A Superstição do Divórcio; Eugenismo e Outros Males; O Apetite pela Tirania; Governo e Direitos Humanos, podemos perceber que era um espírito complexo e invulgar. Era também um homem gregário e afectuoso, com um sólido sentido de humor, uma grande modéstia e uma coragem inabalável na defesa dos seus valores e princípios.
Exprime a sua filosofia política em obras como What's Wrong With The World, 1910, e chama-lhe distributivismo. Pode resumir-se numa fórmula muito simples: todo o homem deveria ter condições para possuir três hectares e uma vaca, de modo a assegurar a sua subsistência e dignidade.
Sim, é uma fórmula estranha, mas tem pelo menos a qualidade de ser coerente com a sua visão conservadora da sociedade.
Para além das mencionadas, deixou muitas outras produções, entre ficção, poesia e ensaio. Inesquecível é o seu original Padre Brown, o investigador perfeito que trabalha tentando entender a alma do criminoso em vez de usar a dedução.
Agora que vai ser reeditado em português O HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA, valia a pena lê-lo e relê-lo. Existem todas as probabilidades de constituir uma experiência agradável e tonificante.
Mais dados sobre a bibliografia de Chesterton AQUI

quinta-feira, julho 19

Agustina Bessa-Luís


Nascida em 1922, no Concelho de Amarante. A 15 de Outubro.
Escritora única no seu género, entre nós, de difícil contextualização na história da literatura portuguesa em termos de correntes, e preocupada com a condição social e cultural dos portugueses, segundo a Wikipedia. Colaborou por várias vezes com Manoel de Oliveira escrevendo diálogos para alguns dos seus filmes.
Tem cerca de cinquenta obras publicadas nos mais variados géneros: romances, peças de teatro, biografias, ensaios, livros infantis.
De todas elas, a minha preferida é Adivinhas de Pedro e Inês, 1983.

Gosto da sua construção em espiral. É como se, partindo de um conjunto de elementos toscos e inacabados, se elaborasse um quadro cujas figuras vão ganhando sentido aos poucos. É sempre o mesmo quadro, mas cada vez mais rico de cores, movimentos, luz e perspectiva. Há algo de artesanal nessa construção, como se deliberadamente Agustina escolhesse seguir um percurso em que parte de uma forma menos perfeita de escrita, aperfeiçoada à medida que a obra se desenvolve e as imagens de Pedro e Inês se vão tornando claras. Como se a própria escrita se iluminasse à medida que a realidade retratada se vai tornando mais clara.

A sua interpretação das razões que motivam a morte de Inês é inesperada e muito pertinente. Admira-me que não seja objecto de mais análises: teria gostado de ver os historiadores discuti-la!

Lawrence Durrell


Escritor britânico, nascido na Índia e falecido em França, 1912-1990.
As obras que mais admiro são QUARTETO DE ALEXANDRIA e QUINTETO DE AVINHÃO.
A forma como constrói estas obras é extraordinária: a mesma história, mas contada do ponto de vista de cada um dos personagens principais em cada um dos volumes. É de uma enorme beleza o resultado, para além da eficácia narrativa. O carácter aberto que isto confere à obra é único. A riqueza dos personagens, a perspicácia dos apontamentos acerca do carácter das pessoas, a calma aceitação -mas não a ocultação- do lado perverso da vida, a fluidez do discurso, a beleza da linguagem: tudo motivos para ter em Lawrence Durrel um escritor permanentemente revisitado e admirado. É um daqueles autores que nos leva a olhar o mundo com outros olhos - uma qualidade que aprecio particularmente.
Há várias traduções de obras suas em português, nomeadamente as duas mencionadas.