domingo, abril 8

Poemacto -IV

As vacas dormem, as estrelas são truculentas,
a inteligência é cruel.
Eu abro para o lado dos campos.
Vejo como estou minado por esse
puro movimento de inteligência. Porque olho,
rodo nos gonzos como para a felicidade.
Mais levantadas são as arbitrárias ervas
do que as estrelas.
Tudo dorme nas vacas.
Oh violenta inteligência onde as coisas
levitam preciosamente.
O campo bate contra mim, no ar onde elas
dormem -
vacas truculentas, estrelas
apaziguadas estrelas - e a inteligência, afinal
selvajaria celeste sobre a minha respiração.

Eu penso mudar estes campos deitados, criar
um nome para as coisas.
Onde era estábulo, na doce morfologia,
fazer
com que as estrelas mugissem e as poeiras
ressuscitassem.
Dizer: rebentem os taludes, enlouqueçam as vacas,
que a minha inteligência se torne pacífica.
Unir a ferocidade da noite ao inebriado
movimento da terra.
Posso mudar a arquitectura de uma palavra.
Fazer explodir o descido coração das coisas.
Posso meter um nome na intimidade de uma coisa
e recomeçar o talento de existir.
Meto na palavra o coração carregado de uma coisa.
Eu posso modificar-me.
Ser mais alto do que a corrupção.

Herberto Helder, Poemacto, (fragmento) POESIA TODA, assírio & alvim

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