Tenho-me mantido em meditação intermitente sobre algumas das reflexões a propósito do 25 de Abril, numa tentativa de compreender melhor os factos com ele relacionados - em 1974 e desde então.
Na verdade, este ano senti necessidade de rever os meus pensamentos sobre esta matéria, ainda que não saiba dizer porquê.
Uma das posições expressas dá conta de uma vasta conspiração que se pode resumir, penso eu, na famosa afirmação retirada de Il Gattopardo, salvo erro escrito por Tomaso di Lampedusa: É preciso mudar algo para que tudo fique na mesma. Em resumo, a burguesia encarregou uns quantos militares de fazer umas mudanças bem visíveis para perpetuar a sua presença no poder, já que a natural evolução dos tempos contrariava o status quo da altura.
Mantenho a dificuldade em aceitar esta teoria. Parece-me exigir demasiada inteligência, demasiada capacidade de prever o futuro, demasiada lucidez, em suma. Demasiado, tudo isto, para as mentes que por aí se manifestam.
A nossa burguesia nunca me pareceu assim tão previdente: mostra, a maior parte do tempo, vistas curtas, com raras e notáveis excepções em que foi capaz de ver para além do imediato. Considero-me pouco esclarecida em filosofia económica, mas tenho uma percepção bastante clara de que os nossos capitalistas partilham algo daquele espírito de contas-de-mercearia que já Salazar evidenciava. Pouco sentido do valor da qualidade, pouca vontade de investir nos verdadeiros criadores que poderiam fazer a diferença para a produção nacional. Temos alguns produtos excelentes, mas a maioria prefere apostar no binómio baixa qualidade/baixa remuneração como fonte de lucro. O lucro a mim parece-me completamente legítimo, desde que não arraste consigo o desrespeito pela dignidade humana e as condições de vida do trabalhador. Mas até Henri Ford já tinha percebido algo que por cá parece opaco: o trabalhador bem pago produz mais e melhor, e COMPRA MAIS, dinamizando a economia e gerando mais-valias.
Percebo que esta pode, eventualmente, ser uma visão parcial e até redutora da complexa realidade económica. Mas os factos não parecem desmentir-me assim tão liminarmente. Inclino-me, portanto, a pensar que os chico-espertos foram apanhando o comboio à medida que os vários apeadeiros o permitiram. Uns, subindo para a carruagem da carreira nos partidos políticos, outros saltando para as oportunidades de enriquecer de diversas formas, nem sempre inteligentes ou honestas. Uns e outros aproveitando-se frequentemente de alianças obscenas para obter dividendos ilegítimos e ilegais.
A hipótese de um plano bem gizado não me parece compatível com o reduzido espírito sistémico dos nossos investidores em geral. Quem nós vemos no poder vem, na maioria, da pequena-burguesia, e mantém os traços de origem bem visíveis. Não tinha poder para uma intervenção planeada a este nível. Também não tem uma estratégia global, como exigiria um projecto destes, mas apenas o objectivo imediato de conseguir estatuto e dinheiro superiores àqueles que os pais detinham. O que não é ilegítimo, mas é pouco como motor de avanço social e económico.
E são estas as razões que me levam a discordar de um plano global de "mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma" como força geradora do Movimento de Capitães no 25 de Abril de 1974. Prezo a liberdade que nos trouxe (ainda me lembro como era ANTES), e continuo a sentir que perdemos a Terra da Fraternidade.
A Gato Maltês, Pedro Silva e Raimundo Lúlio, quero agradecer os interessantes e divergentes pontos de vista em que me apoiei para reflectir sobre esta questão: obrigada.
sábado, abril 28
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2 comentários:
Concordo!
25 de Abril: O Diabo trocou 1 cagalhoto e 1 projecto de cagalhoto, por meia dúzia de cagalhos coloridos.
Tão simples, quanto isto...
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