A APOSTA NA DIFERENÇA É UMA FALSA BOA IDEIA
Estou sentado com a minha mãe sob a varanda de um palácio. Finalmente, soa o corno de carneiro anunciando a chegada do Rei dos Achantis. Um coro entoa cantos em sua glória, pontuados de notas de flauta. É a cerimónia de quarta-feira em Kumazi, a cidade do Gana onde cresci.
Quando chega a minha vez de ser oficialmente apresentado, o rei questiona-me sobre a Universidade de Princeton (EUA) onde dou aulas. E diz-me que tem prevista para breve uma viagem aos EUA para um encontro com o director do Banco Mundial.
Quando eu era criança, íamos frequentemente visitar o soberano da época, meu tio-avô por casamento. Os britânicos, povo a que pertence a minha mãe, conquistaram o reino Achanti, povo a que pertence o meu pai, no início do séc. XX; mas hoje, no início do séc. XXI, o palácio real aparenta-se com o que devia ser no séc. XIX – um centro de poder.
No dia da cerimónia de quarta-feira em Kumazi, vi visitantes ingleses e americanos fazerem uma careta àquilo que julgam ser uma intrusão da modernidade nos rituais tradicionais e intemporais. Nos últimos dois anos, os membros da UNESCO dedicaram imenso tempo a tentar parir uma convenção sobre a protecção e promoção da diversidade cultural. Os redactores do projecto consideravam que “o processo de globalização… representa um desafio para a diversidade cultural, nomeadamente pelos riscos de desiquilíbrio entre países ricos e países pobres” Temiam que os valores e as imagens da cultura de massas ocidental, qual erva daninha, acabassem por abafar toda a outra flora do planeta.
As contradições saltam aos olhos, pois o mesmo documento tem o cuidado de sublinhar a importância da livre circulação de ideias, da liberdade de pensamento e de expressão, e dos direitos humanos. Afinal, o que é mais importante: as culturas ou os indivíduos?
O caminho, a meu ver, é interessar-se pelos indivíduos e não pelas nações, tribos ou “povos”. O nome a dar a este princípio, pouco importa, mas, em homenagem a Diógenes, o filósofo cínico grego do séc. IV e primeiro cidadão a reivindicar-se “cidadão do mundo”, podíamos falar de cosmopolitismo. Os “cosmopolitistas” levam a sério as diferenças culturais apenas porque levam a sério as escolhas feitas pelos indivíduos. Mas, na medida em que não se interessam exclusivamente pela diversidade cultural, sentem que muitas das críticas à globalização estão mal apontadas.
É verdade: a globalização pode produzir homogeneidade. Mas também a pode destruir. Kumazi é tudo menos homogénea. Fora de Kumazi, encontraremos facilmente aldeias “monoculturais”, com um modo de vida agrário, baseado em culturas tradicionais. Mas mesmo ali têm rádio, e sabem quem é Ronaldo ou Mike Tyson, e há cerveja Guiness e Coca-Cola, mas também a Star of Club, excelente cerveja ganesa.
É verdade que estas aldeias do reino Achanti ou da Pensilvânia são menos típicas do que há um século – e ainda bem. São cada vez mais as que têm acesso a medicamentos eficazes ou a água potável ou a escolas. E quando não têm estas coisas, é caso para lastimar.
Hoje, há novas oportunidades para os jovens nas cidades, noutras regiões do país e noutras partes do mundo. Já não se ganha o suficiente na aldeia. A época em que se podia viver do trabalho da terra desapareceu. Podemos ter pena. Mas não temos o direito de obrigar os jovens a ficar, com o pretexto da protecção da sua cultura autêntica.
As culturas vivas não perdem a sua pureza original de um dia para o outro. Evoluem progressivamente, num processo que se desenrola geralmente à margem das regras e dos dirigentes, no diálogo que se estabelece entre os dois lados das fronteiras culturais.
Kwame Anthony Appiah, in N.Y. Times Magazine, 2006 – adaptado
terça-feira, maio 1
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