quinta-feira, julho 5
O Ateniense -2
A Morte de Sócrates, de Jacques Louis David
O endeusamento de Sócrates fica bem ilustrado neste quadro sec. XIX.
Repare-se no jovem e perfeito corpo de sessenta anos! E comparem-se estas belas feições com aquela cara pouco agradável que os seus contemporâneos atestam, e que está no post anterior.
Herdámos de uma forma acrítica o profundo afecto de Platão pelo Mestre, bem como os argumentos aristocráticos com que demarcava Sócrates dos sofistas.
Há anos atrás, lia-se num manual de Filosofia esta profunda crítica aos sofistas: "Para além de serem cépticos e relativistas, os sofistas cobravam dinheiro aos seus alunos para lhes ensinarem Retórica". Agora digam-me : como é que um PROFESSOR contemporâneo, que ganha a vida a ensinar, pode alguma vez criticar os sofistas por ganharem a vida com as suas lições? Esse é um argumento que só faz sentido na boca do aristocrático Platão, para quem era degradante ganhar a vida com trabalho.
Há ainda outra coisa que me incomoda: é que os Sofistas deram um contributo imenso para fazer avançar a Filosofia. Sem o seu militante cepticismo, o constante sublinhar dos limites da filosofia do seu tempo, da Lógica e da oratória, talvez um génio como Aristóteles não tivesse deitado mãos tão decididamente à tarefa de garantir a validade dos raciocínios e eficácia dos discursos. Sofistas como Protágoras de Abdera ou Górgias de Leontinos puseram o dedo nas feridas da filosofia com a maior pontaria, explorando activamente os seus limites e tornando assim evidente a necessidade de os superar. Defenderam o ideal de uma educação cívica, mostraram a importância política e social da linguagem, e emanciparam-na do sagrado ao dar-lhe como medida as necessidades do homem.
São verdadeiros filósofos nesse sentido, e é grande a dívida para com eles. Que precisemos de os diminuir para reconhecer Sócrates é absurdo.
É, por isso, um crime contra a Filosofia e o rigor que ela exige.
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